domingo, 29 de março de 2015

Cartunista é pressionado por Igreja Universal a retirar charge do Facebook

Charge do cartunista Vitor Teixeira sobre os Gladiadores do Altar, da Igreja Universal do Reino de Deus
James Cimino, no UOL
A assessoria jurídica da Igreja Universal do Reino de Deus pressionou extrajudicialmente o cartunista Vitor Teixeira e retirar de sua página no Facebook uma charge que, segundo ela, incita a intolerância religiosa.
A charge, segundo seu autor, era uma crítica aos Gladiadores do Altar, grupo de fieis da igreja que apareceram recentemente em diversos vídeos divulgados nas redes sociais marchando, batendo continência e usando uniformes análogos aos do Exército Brasileiro.
O grupo virou alvo de críticas e de denúncias ao Ministério Público por ter sido visto como análogo a uma organização paramilitar. A Universal nega as acusações e diz que o grupo tem como objetivo “pregar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
Na notificação, a advogada frisa que o grupo promove atividades “culturais, sociais e esportivas para auxiliar no resgate e amparo de populações de rua, viciados, jovens carentes e em conflito com a lei”.
No desenho feito por Teixeira, um homem com capacete de gladiador e uma camiseta com o símbolo da Universal enfia uma espada em uma mãe de santo.
“Minha intenção foi denunciar uma empresa que, a meu ver, está endossando a criação de uma suposta milícia. E não sou apenas eu que acho isso, tanto que o assunto foi levado ao Ministério Público. Estou debatendo a iniciativa de uma empresa, com sede internacional, com um poderoso grupo de mídia por trás de si e com uma assessoria jurídica que usou todo seu poder contra um cartunista independente. Eles dizem que não irão me processar porque retirei a charge ‘voluntariamente’, mas que opção eu tinha?”
Teixeira disse ainda que a imagem da mãe de santo foi usada devido ao tratamento que a igreja dá às religiões de matriz africana. Em 2007, o bispo Edir Macedo, fundador da Universal, sofreu processo do Ministério Público e teve seu livro “Orixás, Caboclos e Guias, deuses ou demônios?” retirado temporariamente de circulação. No entanto o TRF da 1ª região entendeu que a obra, apesar de conter expressões e mensagens preconceituosas, deveria voltar a circular no intuito de prevalecer a liberdade de expressão, garantida pelo artigo 5º da Constituição.
“Quando vi os vídeos daqueles gladiadores, pensei que se existia um grupo que seria alvo deles certamente seriam as religiões africanas, que já são atacadas em seus cultos”, disse o cartunista. Na notificação, a Universal nega que incite ódio contra essas religiões. Diz apenas que “não concorda” com elas.
Liberdade de Expressão
Logo após o cartunista divulgar em seu perfil no Facebook a notificação que recebera, a assessoria jurídica da igreja enviou outra correspondência dizendo que a Universal “não trabalha nem nunca trabalhou baseada em ameaças” e que “a pretexto da liberdade de expressão, não é admissível a incitação ao ódio religioso”.
Procurada pela reportagem do UOL sobre o caso, a assessoria de imprensa Igreja Universal do Reino de Deus respondeu:
“O autor produziu e publicou uma ilustração acusando a Universal assassinar, ou de pretender matar praticantes de religiões de matriz africana. Incitar o ódio é crime. Acusar falsamente de cometer um crime, também é crime. No estado de direito, a liberdade de expressão não autoriza ou legitima absurdos como tal imagem horrenda, veiculada de modo irresponsável. Voluntariamente, o chargista apagou a postagem, certamente por reconhecer o erro que cometeu. A Universal respeita e defende as liberdades constitucionais de crença, de culto e de opinião. Mas jamais aceitará calada ataques delinquentes de preconceito e rancor. Casos semelhantes terão tratamento igual perante a Justiça.”

segunda-feira, 23 de março de 2015

Religiões afro farão ato contra Gladiadores do Altar

Adeptos da Umbanda e Candomblé pedirão que Ministério Público Federal investigue grupos de igrejas evangélicas que se apresentam como militares
 'Gladiadores do Altar' da Universal provocam polêmica e já atraem jovens do Rio de Janeiro (foto:  Reprodução Facebook )

‘Gladiadores do Altar’ da Universal provocam polêmica e já atraem jovens do Rio de Janeiro
(foto: Reprodução Facebook )
Christina Nascimento e Hilka Telles, em O Dia Online
Representantes de religiões afro-brasileiras de pelo menos seis estados do Brasil, inclusive o Rio, farão ato de protesto e se reunirão com o Ministério Público Federal, na segunda-feira, para pedir investigação sobre os objetivos do grupo Gladiadores do Altar. Criado em janeiro deste ano pela Igreja Universal do Reino de Deus, ele é composto por mais de 4 mil jovens com idade até 26 anos. Em vídeos exibidos na internet, os Gladiadores do Altar aparecem uniformizados, mostram postura militar e batem continência.
“Sabemos do histórico de perseguições e violência contra centros espíritas e integrantes de religiões afro-brasileiras, praticadas por membros da Igreja Universal em todo o país. Líderes da Umbanda e do Candomblé estão preocupados com o que pode vir a ser esse novo grupo”, ressaltou o advogado Luiz Fernando Martins da Silva, que elaborou a petição a ser entregue ao MPF.
O documento cita a Lei de Segurança Nacional (LSN), que proíbe a formação de grupos paramilitares e propaganda de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais e de perseguição religiosa.
Segundo a assessoria de imprensa da Universal, os Gladiadores são jovens com vocação missionária e que estudam a Bíblia, sem desenvolver qualquer prática militar. Ainda de acordo com a assessoria, foram feitas apresentações do projeto em igrejas de algumas capitais, e nelas os jovens aparecem marchando e entoando frases de efeito. “Foram eventos únicos, com coreografia ensaiada, para marcar festivamente a ocasião”, diz a nota.
Os mais antigos centros espíritas de Salvador, na Bahia, tomaram a frente do movimento, depois que o babalorixá Babá Pecê lançou carta aberta, na qual mostrava sua preocupação com o que viu nos vídeos. Além da Bahia, umbandistas e candomblecistas do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Maranhão e Rio Grande do Norte farão a manifestação e entregarão petição ao MPF em seus estados, dia 23. Na terça, os religiosos de Brasília farão o mesmo.
Para o pastor João Soares da Fonseca, da Primeira Igreja Batista do Rio, não se pode julgar antes de ver os fatos. “A Universal gosta muito de marketing arrojado, sensacionalista. Talvez seja mais um lance espetacular de publicidade. Acho que, por enquanto, o medo não é justificado”, opina o pastor.
Mulheres de saia verde-oliva e rapazes de farda
“Jesus, o capitão, avante os levará. A milícia dos remidos marcha impoluta”. Com saias até o joelho da cor verde-oliva e blusas camufladas, jovens mulheres cantam o hino religioso, no altar. São quase 20h30, quando um grupo de rapazes se perfila na porta da igreja. Uma voz masculina grita: “Atenção! Exército de Cristo”. Os rapazes respondem: “Jesus”. O chamado é repetido mais uma vez. Era a senha que eles esperavam.
Com uma bandeira do Brasil e outras duas — uma parece ser de uma denominação religiosa —, os jovens entram marchando ao rufar dos tambores, que lembram marcha militar. O ritual, como mostra um vídeo postado no You Tube, acontece numa pequena igreja de Xerém, na Baixada Fluminense. Os garotos usam calça, coturno e camiseta — também camuflada —, onde se lê “Exército de Cristo”. Eles dão meia volta e param na posição de sentido. “Senhores, vocês enfrentarão a maior batalha de suas vidas.
Os senhores estão preparados?”, grita o “comandante’, enquanto revista a “tropa” militar-religiosa. “Soldado Ferreira, quem é o nosso inimigo? É a sua igreja? É o seu pastor? São seus irmãos?”, interroga o ‘sargento’. “Não, senhor! É o diabo e seu exército”, responde o jovem, para a plateia de fiéis. De novo, o “superior” faz perguntas: “Soldado Oliveira, quem lhe capacita: “O Espírito Santo, senhor!”, responde o rapaz. Em seguida, o “sargento” dá ordem de comando à tropa: “Descansar”.
Expressões de guerra no discurso
Tomada de território, soldado, inimigo, exército. O linguajar lembra o cenário de guerra, mas com bases em um discurso religioso. Uma mistura que pode ser perigosa, se dentro desse ‘batalhão’ o fanatismo for a base da doutrina. Para o psicólogo e colunista do DIA Fernando Scarpa, a prática militarizada cria uma “massa de homogeneidade de pensamento.”
“O problema não é isso dentro da igreja. É quando sai dela. São batalhões para vencer o mal. Mas o que é considerado o mal? Por outro lado, é interessante notar que são grupos também que conseguem tirar pessoas das ruas e do tráfico”, argumentou ele. Antropóloga e professora da UFF, Ana Paula Miranda explicou que, de uma maneira geral, pode se observar um “projeto de poder” nesses ‘exércitos’, mas que isso não é uma novidade no meio religioso.
“Isso sempre existiu. As Cruzadas eram com soldados de guerra. A Igreja Católica teve um projeto imperial de poder. O novo é essa prática no Brasil em grupos evangélicos”, afirmou ela.
O sociólogo Luiz Vaz acredita que existem possibilidades de este ritual se “alastrar’ em outras denominações. Mas o perigo, segundo ele, é o fundamentalismo que pode alimentar esses ‘exércitos’. “O objetivo deles não é muito claro: se é uma atividade cultural, social. Fato é que eles querem fiéis, para ter poder.”
 Movimento criado em janeiro deste ano gera polêmica (foto:  Reprodução)

Movimento criado em janeiro deste ano gera polêmica
(foto: Reprodução)