domingo, 18 de maio de 2014

A beleza dos ofícios manuais


Fonte:Revista Veja
Um certo senhor Diouf escreveu para seu filho, aconselhando-o a evitar a todo custo as profissões manuais. Havia que escolher trabalhos puramente intelectuais. A curiosidade da carta é datar do tempo dos faraós, ou seja, o preconceito não é de hoje.

Em todas as sociedades, trabalhar com as mãos tem menos status. Mas, nos países avançados, isso não inibe o vicejar de operários, artífices e artesãos altamente qualificados, orgulhosos do que fazem. São exemplos de profissionalismo e competência. Uma das marcas das sociedades avançadas é a valorização desses ofícios e a afinidade com a sociedade tecnológica. Aliás, a Revolução Industrial foi feita por mecânicos, mostrando a convivência da criatividade com as mãos.

Lamentavelmente, o Brasil recebeu duas cargas negativas. Herdamos da Península Ibérica o desamor por trabalhos manuais. E tivemos a escravidão, criando uma clivagem radical e proclamada entre as ocupações manuais, para os escravos, e as outras, nas quais não se sujam as mãos.

fckNos países avançados, trabalhar com as mãos não inibe o vicejar de operários, artífices e artesãos altamente qualificados, orgulhosos do que fazem" No século XIX, a imigração da Europa continental começou a mudar esse panorama. Mas o grande empurrão veio do Senai, criado em 1942 e moldado em modelos alemães e suíços. Graças a ele, não travou a nossa Revolução Industrial — aliás, muito respeitável para um país que não produzia nem palito. Demos um salto.

Infelizmente, os novos ventos não têm sido favoráveis. Aparecem ocupações charmosas, sobretudo. na informática e nos serviços. O aumento no nível de escolaridade da nova geração coloca-a muito próxima das lantejoulas do ensino superior, cujas vagas deram um enorme salto. Com isso, e mais algumas coisas que não sabemos, au-claudio de moura "lenta a rejeição às ocupações tradicionais, como castro é economista marceneiro, caldeireiro ou eletricista e, pior, àquelas ligadas à construção civil. Nos cursos do Senai, há vagas não preenchidas nessas ocupações. Há evasão durante o curso e pouco interesse em trabalhar no ofício aprendido.

Participei de uma feira de ocupações, visitada por 10000 alunos do ensino médio. Ali estavam as faculdades locais e outros empregadores cobiçados. Minha missão era falar dos ofícios manuais qualificados. Ao iniciar a sessão, o auditório teria dois terços da capacidade — já prenunciando o desinteresse. Fiz todas as gracinhas que sei, demonstrei o uso de plainas, falei da beleza e do prazer de fazer com as mãos. Falei da criatividade e dos desafios intelectuais. Ao terminar, uma hora depois, de jovens, havia apenas três moças. Os outros escapuliram durante a apresentação. Nem uma só pergunta. Vá lá que eu tenha sido um canastrão chato. Mas saírem quase todos? 

O resultado dessa rejeição é o chamado "apa-gão da mão de obra". Pesquisas recentes mostram que se concentra nesses ofícios. E nas engenharias, por razões diferentes. De fato, as empresas se queixam de que falta gente qualificada, sobretudo, na construção civil. As maiores conseguem capengar com um ou outro profissional competente. As menores improvisam — mal. E quem precisa de alguém para reparar o cano, o fio ou o armário encontrará pessoas que não sabem nada de nada, além de terem hábitos de trabalho caóticos. A escassez de mão de obra qualificada deve ter parte da culpa pela estagnação da nossa produtividade.
O outro aspecto, inevitável, é que, diante da escassez, os salários para essas profissões cresceram muito, tornando as empresas menos competitivas. Valeria a pena pagar o preço se esse incentivo atraísse jovens a essas profissões. Contudo, os aumentos não trazem nem alunos nem quem queira trabalhar nelas. Na época da criação do Senai, grandes industriais, como Roberto Simonsen, viram a falta de mão de obra qualificada como um impedimento ao nosso avanço. Criar uma instituição capaz de mitigar essa escassez foi então uma das batalhas vencidas pela indústria brasileira. Tenho a impressão de estarmos diante de um desafio da mesma ordem de magnitude.
O que fazer? Neste momento, o mais importante é aceitar que há um problema sério, não apenas uma flutuação conjuntural. Quando isso acontecer, as soluções aparecerão. O lado bom é que a CNI começa a despertar para o problema.

Por CLAUDIO DE MOURA CASTRO, economista

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